Descrição
Joseli Maria Silva & Augusto Cesar Pinheiro da Silva (Orgs.)
Edição: 1a
Páginas: 264
Formato: 16 x 23 cm
Peso: 500 g
Miolo: papel ofsete 90g/m2
Capa: cartão supremo 240g, com laminação fosca
Acabamento: costurado
Ano de publicação: 2011
ISBN: 978-85-62450-23-5
Apresentação
Essa publicação científica é a síntese de uma longa história de superação de limites culturais, linguísticos e científicos no processo de construção do saber geográfico em torno das relações entre espaço, gênero e sexualidades. É o resultado de um desafio que a geógrafa Tovi Fenster, então presidente da Seção de Gênero da União Geográfica Internacional (UGI), realizou para nós, geógrafos latino-americanos, no ano de 2008. Neste ano estava sendo promovido, na Tunísia, o encontro geral da referida entidade geográfica, que tem como objetivo congregar pesquisas de geógrafos de todo o planeta. Como a geografia latino-americana estava ainda pouco permeável aos estudos de gênero e sexualidades, resolvemos tentar um diálogo na esfera internacional, buscando interlocução para nossas pesquisas, a fim de superar o contexto cultural e científico nacional ainda desfavorável ao campo que estudamos.
Fizemos então nosso primeiro contato com a comissão organizadora do evento da UGI, quando nos deparamos com uma configuração geopolítica do conhecimento geográfico que tornava impossível nossa participação no referido encontro. O alto valor cobrado pela inscrição, baseado em euros, e a restrição das línguas oficiais apenas o inglês e o francês para a comunicação entre pesquisadores colocavam boa parte dos geógrafos da América Latina como excluídos de um encontro que se pretendia internacional. A internacionalização do conhecimento geográfico se dava, em realidade, entre geógrafos oriundos de países ricos, que definiam as agendas científicas para a geografia mundial, pouco abertos ao diálogo que pressupõe aceitação das diferenças entre os diversos espaços que compõem o mundo científico globalizado.
Diante desses limites, fizemos nossas reivindicações com base nas especificidades geográficas, que não tinham sido consideradas no formato do encontro da UGI e que, a nosso ver, deveriam ser contempladas, justamente por se tratar de um evento da geografia, uma ciência que tem compromisso com a compreensão da diferenciação espacial e com seus mecanismos de exclusão. Nesse sentido, formulamos as seguintes perguntas aos organizadores: 1. Se o objetivo de um evento da UGI é suscitar o diálogo científico entre os geógrafos do mundo, por que ele não se adapta às diferenças financeiras dos países, pelo menos no que diz respeito aos custos de inscrição? Afinal, cada unidade de euro custa muitas unidades de moeda nacional em contextos com câmbio desfavorável. 2. Se um evento é internacional, qual a razão de aceitar apenas pesquisas nas línguas inglesa e francesa? Não há justificativas para a exclusão do espanhol como língua oficial do evento, já que esta é uma das mais faladas no mundo. 3. Qual a razão de um evento geográfico de caráter internacional não contemplar as diferenças mundiais e democratizar o acesso ao diálogo científico? Acreditamos que a derrubada da hegemonia linguística e de referência econômica possibilita a inclusão de pesquisadores de diversos países para além do mundo europeu e norte americano, tornando a ciência geográfica mais rica, plural e polifônica.
As críticas que fizemos naquele momento, ao invés de promover maiores limites à construção de alianças científicas, possibilitaram um importante diálogo junto à Seção de Gênero da UGI, que nos desafiou a realizar um encontro na América Latina, evento que seria uma oportunidade para a construção de uma interlocução internacional que contemplasse as nossas diferenças espaciais relativas a gênero e sexualidades.
O desafio foi aceito por nós, e ele se concretiza agora, neste livro, composto de três partes, que dizem respeito à organização do evento no Rio de Janeiro, intitulado “I Seminário Latino-Americano de Geografia e Gênero: Espaço, Gênero e Poder / Pré-encontro da Conferência Regional da União Geográfica Internacional: Conectando Fronteiras”. O livro celebra o encontro de pesquisadores de várias partes do mundo, como Estados Unidos, Inglaterra, Espanha, Portugal, Nova Zelândia, Argentina e Brasil, que, juntos, constroem um saber diverso e pluriversal.
A primeira parte do livro tem como tema central discussões em torno do espaço escolar, gênero e sexualidades. Os autores entendem a escola, para além de sua função formal de escolarização, como uma espacialidade que se constrói cotidianamente por meio da socialização e do encontro de diferentes identidades. Esses encontros envolvem as orientações sexuais e de gênero, criando uma série de possibilidades de relações. A escola pode tanto funcionar como um espaço heteronormativo e discriminatório, como pode também se abrir para a emancipação e a conquista de direitos cidadãos.
Os espaços generificados de poder constituem o eixo norteador da segunda parte do livro. Os textos reunidos sob esta perspectiva têm em comum a ideia de que o espaço geográfico é uma instância da sociedade e que ambos são constituídos por tensões entre grupos hierarquizados a partir de determinadas características de valoração social, de modo que o gênero se configura como um dos mais importantes elementos sociais de distribuição de poder, permeando diferentes espacialidades.
A terceira parte é dedicada à discussão em torno da relação entre geografia, gênero e sexualidades, e nela os autores produzem uma abordagem pautada no gênero e na orientação sexual enquanto construções sociais específicas no tempo e no espaço. Essa perspectiva desafia a hegemonia heteronormativa da produção do espaço e desvela a pluralidade das vivências espaciais humanas, tão largamente invisibilizadas em nossa sociedade.
Enfim, nós esperamos que as páginas deste livro permitam a emergência de novas trajetórias de exploração científica geográfica na área de gênero e sexualidades, inspirando a geografia brasileira a contemplar a riqueza da diversidade humana em sua relação com o espaço.
Joseli Maria Silva
Augusto Cesar Pinheiro da Silva
Organizadores
Prefácio
Recebi com muita satisfação o convite da Joseli para prefaciar o livro com as palestras do I Seminário Latino-Americano de Geografia e Gênero. Quando me pediu para escrevê-lo, a Joseli mencionou nossa correspondência via e-mail, há alguns anos, que, segundo me disse, foi a razão e a motivação para ela organizar este seminário.
Isto foi em julho de 2008, quando eu era presidente da Comissão de Gênero e Geografia, ocupada, na época, com a organização da Conferência Regional da União Geográfica Internacional (IGU) na Tunísia. Recebi um e-mail um pouco irritado da Joseli, em que ela se queixava do fato de as conferências da Comissão serem promovidas apenas na Europa, e somente em língua inglesa (embora o inglês e o francês tenham sido as línguas oficiais da IGU na Conferência na Tunísia, assim como são também as línguas oficiais da própria IGU). Ela me questionou a respeito das razões de a Comissão de Gênero e Geografia da IGU não promover conferências na América Latina. E eu então lhe respondi que as conferências de nossa Comissão são sediadas em lugares onde nossos membros se oferecem para organizá-las! Nesta ocasião, eu lhe propus organizar uma conferência no Brasil, prometendo-lhe que, se assim o fizesse, eu e a maioria de meus colegas compareceríamos, desafiadoramente! Fico contente que esse desafio tenha sido aceito e que a Joseli e o Augusto organizaram esta conferência, fazendo-nos ir a esta parte tão bonita do mundo.
Escrever alguns parágrafos a respeito dos “desafios culturais e linguísticos entre profissionais da geografia ao redor do mundo” e sobre “como enfrentamos essas questões em nossas atividades acadêmicas” já representa um desafio por si só! São tantos os trabalhos acadêmicos que têm sido publicados a respeito desta questão tão complexa, que se torna quase impossível apresentar uma discussão razoável sobre este tópico em um prefácio tão curto. Assim, e ao invés disso, me proponho compartilhar com vocês um pouco de minhas experiências pessoais e de meus pensamentos a respeito dessas questões, na condição de pessoa que não tem o inglês como primeira língua, e também como ex-presidente desta comissão que tem sido exposta a várias questões e preocupações neste âmbito.
Gostaria de começar fazendo uma reflexão positiva dos próprios benefícios que tenho obtido como integrante desta grande rede da Comissão de Gênero e Geografia do IGU, apesar dessa minha contínua e incessante contenda para escrever e falar inglês. Minhas reflexões aqui são parte de um artigo que escrevi para Gender, Place and Culture (FENSTER, 2007) , intitulado “Reinforcing Diversity: From the ‘Inside’ and the ‘Outside’”, que foi dedicado à contribuição de Janice Monk para fortalecer a diversidade e promover a colaboração no campo da geografia humana. Neste trabalho eu mencionei meu primeiro contato com alguns dos membros de grupo no encontro da IGU em Praga, em 1994. Foi a primeira conferência da IGU a que assisti. Eu estava nervoso, solitário, não sabia “o que fazer” ou “como me comportar” e me sentia muito isolado, na condição de uma entre algumas poucas pessoas que trabalhavam com gênero e geografia em Israel naquele tempo. O meu encontro com Jan e outras(os) geógrafas(os) feministas marcou uma mudança em minha vida acadêmica. Ao longo dos anos, e depois de participar da maioria das reuniões da Comissão, comecei a me integrar, como parte de um grupo de apoio que me fazia sentir que pertencia a uma rede acadêmica situada fora de meu contexto em Israel. Pude então fazer mais para promover o estudo de gênero na geografia ‘dentro’ de meu próprio contexto, tendo em vista que esse apoio e assistência de ‘fora’ fazia da geografia feminista uma disciplina válida e ‘séria’. Este impacto construtivo das atividades da Comissão, tenho certeza, afetará geógrafas(os) feministas na América Latina, especialmente no Brasil durante e após esta conferência. A conexão de nossos interesses e preocupações comuns, das lutas feministas e das cadeias de apoio mundiais permite que cada um de nós pesquise, escreva e ensine neste campo. E isto se aplica especialmente às conjunturas culturais e políticas em que o gênero e o feminismo não são disciplinas bem-vindas ou reconhecidas.
Dito isto, existem alguns desafios linguísticos e culturais que nós, como geógrafas(os) feministas, enfrentamos e devemos reconhecer, tendo em vista que eles se vinculam com forças acadêmicas centro/periferia que ainda predominam em nosso mundo ‘globalizante’.
O primeiro desafio diz respeito ao domínio do mundo acadêmico anglo-americano, expresso não somente no domínio da língua inglesa na maioria dos encontros acadêmicos internacionais, como também no domínio e na poderosa influência do mundo acadêmico anglo-americano sobre o conjunto do conhecimento, sobre os discursos relevantes e novos campos de interesse, e também sobre a própria terminologia acadêmica envolvendo as noções de ‘dentro’ e ‘fora’.
Todavia, devemos lembrar um outro desafio, o de que esse domínio ainda existe por causa da atitude um tanto provincial por parte das administrações universitárias, com suas regras de promoção, na ‘periferia’, ou no mundo em que não se fala inglês. É essa atitude que dita a priorização de publicações em inglês e a participação em conferências internacionais, em detrimento de atividades acadêmicas locais, percebendo nessas práticas quase que o único canal para a promoção acadêmica (com a exceção de algumas universidades europeias, como na França, na Alemanha e, até certo ponto, na Itália). Assim, essa política acadêmica periférica reforça o domínio contínuo do mundo acadêmico anglo-americano.
Como disse antes, ser ‘forçada’ a escrever e a me apresentar em inglês tem sido para mim uma maneira significativa de desenvolver minhas redes acadêmicas fora de Israel e de promover a pesquisa e o ensino de gênero e geografias feministas dentro de Israel. Isto significa que as perspectivas de ‘dentro’ e ‘fora’ podem apresentar tanto efeitos positivos como negativos, e é possível que as ‘fronteiras que se conectam’ entre o mundo anglo-americano e os outros mundos estejam se tornando mais visíveis, já que, cada vez mais, falantes que não têm o inglês como primeira língua estão integrando conselhos editoriais de algumas das principais revistas de geografia, e tendo em vista também que, em comitês internacionais como o IGU, tem crescido a atuação de estudiosos de universidades que não pertencem ao sistema anglo-americano.
Tenho certeza de que este Seminário será mais uma expressão das ‘fronteiras que se conectam’, ao expor a pesquisa latino-americana e brasileira ao mundo ‘exterior’. Meu desejo é que todos nós tenhamos uma conferência excitante e estimulante, bem como ainda muitas outras, no futuro.
Tovi Fenster
Department of Geography and Human Environment,
Tel Aviv University
Tel Aviv, Israel
SUMÁRIO
Apresentação
Joseli Maria Silva
Augusto Cesar Pinheiro da Silva
Prefácio
Tovi Fenster
Parte I Espaço escolar, gênero e sexualidades
A escola como questionadora de um currículo homofóbico
Lúcia Facco
Borrando fronteiras: uma visão ampliada entre sexualidades e escolas
Cláudia Reis dos Santos
Questões de género e orientação sexual em espaço escolar
Eduarda Ferreira
Questões de género e orientação sexual em dois estudos de caso sobre
educação sexual no ensino básico em Portugal
Maria João de Jesus Duarte Silva, Cláudia Abrantes, Ana Carina Dias e Raquel Magalhães
Parte II Espaços generificados e poder
Colocando gênero na geografia: política e prioridades
Janice Monk
Geometrías asimétricas del poder en geografía feminista: cuestionando la hegemonía anglosajona
Maria Dolors García-Ramon
Género y violencia: una ostentación de género en cada concepto
Diana Lan
Geografia e gênero em assentamentos rurais: espaços de poder
Maria das Graças Silva Nascimento Silva
Mulheres e trabalho: novos e velhos dilemas
Susana Maria Veleda da Silva
Mães solteiras que estudam em Aotearoa, Nova Zelândia: uma política de espaço paradoxal
Robyn Longhurst, Darrin Hodgetts e Ottilie Stolte
Parte III Geografia, gênero e sexualidades
Os desafios para a expansão da geografia das sexualidades no Brasil e os limites do diálogo científico internacional
Joseli Maria Silva
O que foi, terá sido? A geografia a partir do queer
David Bell
Epistemologias transnacionais da geografia das sexualidades
Jon Binnie
Território descontínuo e prostituição travesti no sul do Brasil
Marcio Jose Ornat
Cidades e (homo)sexualidades: heterotopias e constelações lésbicas e gays em espaços urbanos
Paulo Jorge Vieira
Sobre os autores
Ana Carina Dias (carinaadias@gmail.com)
Mestre em Ensino Experimental das Ciências pela Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto, em Portugal, e professora na Escola Básica de 2º e 3º Ciclos de Alfena.
Augusto Cesar Pinheiro da Silva (acpinheiro08@gmail.com)
Doutor em Geografia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, onde ocupa o cargo de coordenador da Pós-Graduação em Geografia (PGE); professor Adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; líder do grupo de pesquisa GeTERJ (Gestão Territorial no Estado do Rio de Janeiro).
Cláudia Abrantes (claudiaabrantes@iol.pt)
Mestre em Ensino Experimental das Ciências pela Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico do Porto, em Portugal, e professora na Escola Básica de 2º e 3º Ciclos de Valadares.
Cláudia Reis dos Santos (claudiareis@oi.com.br)
Assistente da Gerência de Educação da 1ª CRE – Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro; professora on-line do Curso de Pós-Graduação em Gênero e Sexualidade do CLAM/IMS/UERJ; professora on-line nos temas etnia, diversidade, gênero e sexualidade para professores da rede pública de ensino a distância no curso Gênero e Diversidade na Escola, oferecido por meio de convênio entre o Centro Latino-Americano em Sexualidade e Direitos Humanos (CLAM/IMS/UERJ) e o Ministério da Educação.
Darrin Hodgetts (dhdgetts@waikato.ac.nz)
Professor doutor na Universidade de Waikato, Faculdade de Psicologia, na Nova Zelândia, suas pesquisas estão vinculadas com a relação entre psicologia social / sociedade / comunidade, mídia e comunicação.
David Bell (d.j.bell@leeds.ac.uk)
Professor do Curso de Geografia da Universidade de Leeds, na Inglaterra, pesquisa sobre culturas rurais e urbanas, sexualidades, ciências e tecnologias, consumo e estilos de vida.
Diana Lan (dianalan50@hotmail.com)
Geógrafa, pesquisadora do Centro de Investigaciones Geográficas e docente da Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires, em Tandil, Argentina; coordenadora da Rede de Estudos de Geografia e Gênero da América Latina (Argentina).
Eduarda Ferreira (epcferreira@gmail.com)
Investigadora associada do e-Geo Centro de Estudos de Geografia e Planeamento Regional, desenvolve o projeto Representing Spaces of (In)Equality: Layers of Visibility.
Janice Monk (jmonk@email.arizona.edu)
Professora do Curso de Geografia da Universidade do Arizona, nos Estados Unidos, suas pesquisas estão vinculadas às relações entre espaço e gênero e geografias feministas.
Jon Binnie (j.binnie@mmu.ac.uk)
Professor da Universidade de Manchester Metropolitan e pesquisador da área de geografia social e cultural, notadamente nas esferas de gênero, sexualidades e cidadania.
Joseli Maria Silva (joseli.genero@gmail.com)
Geógrafa, coordenadora do Grupo de Estudos Territoriais e da Rede de Estudos de Geografia e Gênero da América Latina (Brasil), é docente da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), onde atua no Mestrado em Gestão do Território.
Lúcia Facco (lufacco@oi.com.br)
Doutora em Literatura Comparada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, atuando nos seguintes temas: literatura brasileira, ideologia, literatura contemporânea, homoerotismo, literatura infanto-juvenil e educação.
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